domingo, 8 de maio de 2011

Minha mãe...

¬Quando eu era criança tinha um grande fascínio pelas histórias que minha mãe me contava. Agradava por demais saber de quando ela era mocinha, no interior agreste do Rio Grande do Norte. Nascera em São Paulo do Potengi, povoado situado à margem direita do Rio Potengi, pertencente, à época, ao município de Macaíba. Falava dos cercados de faxina e do cheiro forte da catingueira; do banho no rio com sabão de raspa de juá – era mais espumante e limpava melhor do que os sabonetes caros de hoje em dia e servia também para escovar os dentes. Quando ia ao roçado, muitas vezes matava a sede pelo caminho bebendo a água da chuva que juntava na flor de mandacaru. Isto quando chovia!
- Mãe, vocês não bebiam a água do rio? Indaguei certa vez. Ela respondeu que a água do rio era muito salobra e só servia para lavar roupas e tomar banho. Remédio, por aquelas bandas, somente através das plantas medicinais, colhidas nos arredores. Sentisse alguém uma febre, problemas na bexiga, diarréias, inflamação urinária, tosse, bronquite, problemas menstruais com excesso de sangramento, gripes e inflamações era só ir à casa de Dona Maria Rezadeira e ela receitava de imediato um chá de aroeira. A aroeira era um verdadeiro milagre. Logo a doença estaria curada. Eram os tempos em que a família trabalhava no roçado. Minha mãe, então com cerca de treze anos, e tia Júlia - que era dois anos mais nova - acordavam por volta das quatro horas, momento em que o sol começava a despontar no horizonte por detrás daquelas nuvens claras, anunciando mais uma manhãzinha alaranjada. Lavavam o rosto, colocavam um pouquinho de raspa de juá no dedo, esfregavam nos dentes até se formar aquela espuma espessa. Depois uma bochechada. Em seguida comiam um pedaço de rapadura com farinha e pegavam a vereda. Metiam-se por entre a macambira, entre um arranhão daqui e um pequeno corte de lá, cada qual com um pote sobre a rodilha na cabeça para trazer água do rio na volta do roçado. Uma vez Tia Júlia começou a escavar perto de uma coivara, preparando a terra, e, de repente, percebeu um movimento estranho. Curiosa, aproximou-se para ver do que se tratava. Naquele local, em preparo da terra para o novo plantio, haviam queimado, no dia anterior, o que sobrou da plantação e que não tinha mais utilidade. De súbito sentiu uma forte fisgada na perna esquerda. Sentiu os olhos escurecerem e começou a suar frio.
- Cacaína, me acode! Gritou ela chamando minha mãe pelo apelido que usava desde pequeninha, quando ainda não concatenava direito as sílabas de Domerina, nome de minha mãe.
Quando minha mãe se virou viu uma cobra de cerca de setenta centímetros de comprimento, somente com a ponta do rabo no chão, girando em torno de si, e mostrando a língua em forma da letra “y “. Dizia que esta era a posição daquele tipo de cobra dar o bote. Mas havia outra posição que ela ficava, em forma de rodilha, com a cabeça erguida uns dez centímetros acima do corpo num certo movimento de vigilância. Era aterrador!
Assim que viu as marcas da picada na perna de tia Julia, minha mãe instintivamente retirou uma fita que usava em seu chapéu de sol e atou em forma de torniquete no local. Mascou um pedacinho de fumo que trazia em seu bolso para alguma emergência, colocou sobre o ferimento e seguiram para casa. Felizmente nada de mais grave aconteceu.
Já estavam acostumadas com aquele tipo de animal. A casa em que moravam era de taipa de mão. As paredes, erguidas com estrutura de vara de marmeleiro entrelaçadas, cujos espaços eram preenchidos por um tipo de argila, com o tempo surgiam buracos onde de quando em vez encontravam alguma cobra fazendo ninho ali. A cobertura era com palha de coqueiro e os caibros eram de mourão de aroeira. Quando voltavam do roçado à tardinha não eram raras as vezes que encontravam vários daqueles ofídios dependurados nos caibros, com a cabeça para baixo. Não sentiam medo. Minha avó segurava-os um pouco abaixo da cabeça, puxava-os e os atirava longe, sem dar-lhes tempo para se enroscarem em seu braço, porém não os matava. São muitas as histórias acerca destes animais. Contava-se que havia um tipo de serpente que após aplicar a picada seguia sua vítima até a casa. Lá chegando instalava-se no telhado e somente deixava o local quando via o caixão funerário saindo em direção ao cemitério. Minha mãe falava de outro tipo que mamava nas tetas das vacas e nas das mulheres em fase de amamentação, neste último caso iludindo o bebê com a ponta da cauda metida em sua boca para que ele não chorasse enquanto a mãe dormia tranquilamente. Tinha também a crença que quando a cobra ia beber água deixava o veneno numa folha. Se alguém escondesse a folha, quando ela voltasse para retomar o que era seu, a bicha ficava raivosa! Tia Júlia contava que certa vez viu uma cobra indo para a beira do rio, e seguiu-a. Viu quando o ofídio parou na frente de uma folhinha, depois seguiu em direção à água. Rapidamente tia Júlia agarrou a folha, onde estava uma gosma feia e a escondeu. Quando a cobra voltou, e não encontrou seu veneno se retorcia, rodopiava e dava pulos deste tamanho. Uma coisa assustadora!

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